A ESCADA PONTEANA


O negócio jurídico é fato, é fato jurídico, é ato jurídico e é o conceito central da parte geral do código civil. É a principal forma de exercício da autonomia privada, segundo o professor Antonio Junqueira de Azevedo, titular da USP. É o direito da pessoa regulamentar os próprios interesses.
Ou ainda, negócio jurídico é aquele fato jurídico, elemento volitivo, conteúdo lícito e um intuito das partes com uma finalidade especifica.

Na visão de Pontes de Miranda, o negócio jurídico é dividido em três planos, o que gera um esquema gráfico como uma estrada com três degraus, denominada por parte da doutrina, como escada ponteana.

Esses três degraus seriam:
Primeiro degrau: o plano da existência. Onde estão os elementos mínimos, os pressupostos de existência. Sem eles, o negócio não existe. Substantivos (partes, vontade, objeto e forma) sem adjetivos. Se não tiver partes, vontade, objeto e forma, ele não existe. Dúvida prática: O CC/2002 adota expressamente o plano da existência? Não, não há previsão contra a teoria da existência. No artigo 104, já trata do plano da validade. E também, só há regras para a nulidade absoluta: 166 e 167; e nulidade relativa ou anulabilidade, art 171. O plano da existência está embutido no plano da validade (implícito). Teoria inútil para alguns doutrinadores: casamento inexistente: resolve com a questão da nulidade; contrato inexistente se resolve com a teoria da nulidade. Mas é uma teoria didática. Vários autores são adeptos da teoria da inexistência.

Segundo degrau: o plano da validade. Os substantivos recebem os adjetivos. Requisitos de validade (art 104) -> partes capazes, vontade livre (sem vícios), objeto lícito, possível ou determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei. Temos aqui os requisitos da validade. Não há dúvida, o código civil adotou o plano da validade. Se tenho um vício de validade, ou problema estrutural, ou funcional, o negocio jurídico será nulo (166 e 167) ou anulável (171). (palavras-chave)

Terceiro degrau: o plano da eficácia. Estão as conseqüências do negócio jurídico, seus efeitos práticos no caso concreto. Elementos acidentais (condição, termo e encargo).


Condição: elemento acidental do NJ que subordina sua eficácia a evento futuro e incerto. Ex. Dou-lhe uma renda enquanto você estudar. (conjunção Se ou Enquanto -> palavras-chave)
Termo: elemento acidental do NJ que subordina sua eficácia a evento futuro e certo. (conjunção Quando -> palavras-chave). Ex. Dou-lhe um carro quando você passar no vestibular.
Encargo ou modo: ônus introduzido em ato de liberalidade. Ex. Dou-lhe um terreno, desde que você construa um asilo.

A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS E A MEAÇÃO.

O Direito de Sucessões gira em torno da morte. A morte do titular de um patrimônio determina a sucessão hereditária. O fato da morte indica o momento em que a herança é transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários. É por serem proprietários que os herdeiros, cessionários e meeiros podem transferir seus bens e direitos entre eles ou para terceiros. Fundamental e de grande importância a fixação do momento exato da morte, pois é fator primordial e da imediata transmissão do acervo aos herdeiros através do principio da saisena (droit de saisine), que nada mais é que a partir do momento da morte é que se passa a existir herança transmitida essa diretamente aos herdeiros.
Não existe relação jurídica sem sujeito de direito para titulá-la. Toda relação jurídica resulta de direitos, obrigações e deveres. Aplica-se, para isso, o principio da saisina. Em cumprimento ao principio da continuidade da cadeia dominical, o registro imobiliário tem eficácia declaratória para os herdeiros. A lei lhes confere o direito, a propriedade e a oponibilidade erga omnes.
Não se deve confundir cessão de direitos hereditários com renuncia à herança. A cessão de direitos hereditários trata-se de um contrato unilateral ou bilateral, no qual o cedente se obriga a transferir os direitos hereditários. A renuncia é ato singular, no qual o renunciante e mais ninguém abdica do direito.
A renuncia dita translativa não é renuncia propriamente dita, pois existe na verdade o animus donandi característico das doações ou cessões gratuitas de direito. Dar-sé a renuncia translativa quando o renunciante indica para quem deverá ser transmitido o bem ou direito. É por esta razão que ela não deve ser aceita nos autos do inventário como renúncia propriamente dita, mas sim como cessão dos direitos hereditários a título gratuito e deverá ser formalizada através de escritura pública.
No sentido do Direito Civil e Direito Processual, , inventário pode ser uma ação especial, de natureza administrativa com o objetivo de listar todos os bens e direitos do de cujus, com a finalidade de proceder a partilha. O caráter administrativo fica evidenciado quando o inventário é realizado por meio de Escritura Pública, lavrada em Cartório de Notas, perante o tabelião ou seus substitutos, sem a presença do magistrado, mas com o mesmo objetivo de proceder a partilha.
Quando morto o autor da herança, deve-se iniciar o inventário, que nada é que procedimento judicial ou extrajudicial que se destina à apuração de haveres deixados pelo falecido, a fim de reparti-los entre os sucessores.
Apenas quando os herdeiros litigam
E que se pode falar que o caráter administrativo fica afastado, mas são com relação ao abjeto do litígio, pois com relação ao procedimento do inventário em si, esse é totalmente administrativo.
Outra característica do inventario é a sua natureza declaratória. Os herdeiros, desde o inicio, fazer declarações, as quais são aceitas pelo juiz ao tabelião como verdadeiras. Assim, ressalta-se o caráter administrativo da ação ou procedimento de inventário.

Pelo sucintamente exposto e pela natureza do contrato de cessão de direitos hereditários e meação, podemos concluir o seguinte:
No ordenamento jurídico brasileiro sempre se admitiu a realização da escritura publica de cessão de direitos hereditários, sendo pratica comum e afeita aos nossos costumes. Em respeito ao principio da indivisibilidade da herança já consagrado no artigo 1580 do CC de 1916 e repetido no artigo 1.791 do Código em vigor, é que se alega uma equivocada invalidade(ou nulidade) da cessão de direitos hereditários, quando tem por objeto mediato bem singularizado do acervo.
Ate o momento da partilha dos bens os herdeiros possuem apenas um quinhão ideal sobre os bens que compõem a herança, de sorte que, em principio, não poderiam alienar um bem singularizado, ainda que exerçam a posse exclusiva sobre ele. Nos tabelionatos de notas sempre foram feitas escrituras tendo por cedente um co proprietário e recaindo o negocio jurídico sobre bem singularizado da herança, tomando-se a precaução de colher a anuência ou ciência de todos os demais herdeiros. Acrescente-se que este costume, fonte imediata do direito, nada tem de ilegal ou contrario ao ordenamento jurídico. Tendo os tribunais considerado o negocio valido, embora sua eficácia ficasse condicionada à efetiva atribuição do imóvel ao herdeiro cedente por ocasião da partilha.
A partilha pode ser realizada por instrumento particular, pendente de homologação. Portanto, não se justifica a exigência de alvará judicial para a lavratura da cessão de direitos hereditários, mesmo de bem singularizado e por um único herdeiro.
Concorda-se com a ineficácia da cessão de direitos hereditários enquanto pendente a indivisibilidade. O termo técnico ineficácia deve ser bem entendido. Ineficácia não é invalidade ou nulidade. O código utilizou de perfeita técnica quando empregou o termo “ineficaz” adotando a teoria da “Escada Ponteana", que estabelece três planos distintos do negocio jurídico: existência, validade e eficácia. Significa, portanto, que defendemos a plena validade das cessões de direitos hereditárias realizados mesmo sobre bem singularizado.

Quem não registra o seu imóvel rural pelo sistema Torrens não é dono

O registro Torrens é um sistema registrário especial originário da Austrália. Desde sua criação, em 1858, passou a ser conhecido pelo nome de seu idealizador o irlandês Sir Robert Richard Torrens. Entre nós, o registro Torrens foi disciplinado pela primeira vez em 31 de maio de 1890, pelo Decreto 451-B, que fora regulamentado pelo Decreto 955-A, de 5 de novembro de 1890. Trata-se de um instituto de registro imobiliário muito importante e seguro para os imóveis rurais, porém, de pouco uso no Brasil.
Esse sistema de registro especial não se confunde com o registro tradicional que todo proprietário de imóvel rural ou urbano deve efetuar para obter segurança e poder dizer que é dono. É de conhecimento geral que os imóveis no Brasil devem ser registrados nos Ofícios (cartórios) de Registros de Imóveis da localização do bem, na circunscrição competente. Essa exigência surgiu com o advento da Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1917 (antigo Código Civil Brasileiro). Desde então, o registro público ganhou uma nova dimensão, passando a exigir o registro do título translativo da propriedade imóvel rural ou urbano, no Registro de Imóveis, para ser considerado um dos modos de aquisição da propriedade.
Recentemente com a publicação da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003 (Novo Código Civil Brasileiro), a aquisição da propriedade imóvel rural ou urbano, entre vivos, continua sendo realizada mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
A sabedoria popular sempre criou adágios de fácil memorização objetivando simplificar direitos e deveres disciplinados de forma técnica. Um dos mais conhecidos ditados populares no tocante à propriedade imóvel, cujo registro do título translativo é exigido pelo artigo 1.245, § 1º do novel Código Civil Brasileiro é: "quem não registra não é dono".
Cabe esclarecer que mesmo após o registro, o título de proprietário ou "dono" não é absoluto.
No Brasil, um dos princípios que regem o registro de imóveis é o da força probante (fé pública) ou presunção. Os registros têm poder probante, eis que gozam de presunção juris tantum de veracidade. Trata-se de uma presunção relativa, pois o adquirente do direito real é tido como titular da propriedade imóvel registrada até que se prove o contrário, conforme determina o artigo 1.245, § 2º do novel código.
No Brasil, somente o registro especial pelo sistema Torrens, admitido apenas para a propriedade imóvel rural, gera presunção absoluta (juris et de jure) sobre a titularidade da propriedade imóvel registrada. A atual lei brasileira que consolida essas alterações e disciplina o sistema de registro Torrens é a Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos - LRP).
O desinteresse pelo registro Torrens, que se apresenta mais seguro que o registro tradicional que acabamos de comentar, deve-se, basicamente, por três motivos: primeiro pelo desconhecimento do instituto, isto é, os proprietários de imóveis rurais ignoram os benefícios em relação ao registro normal; segundo porque sempre que se cogita em registro de imóveis, há uma inevitável associação com custos; terceiro porque para se obter a segurança oferecida pelo registro Torrens, se faz necessário o cumprimento de algumas exigências e formalidades. Diante desses três motivos básicos os proprietários de imóveis rurais acabam por desprezar esse importante sistema registrário.
Na prática, o registro Torrens torna-se mais simples que a defesa de eventual processo judicial questionando o seu título de proprietário. O que se pretende evitar é justamente isso, que em algum momento da vida, enquanto titular do domínio de determinado bem imóvel rural, você venha a ser surpreendido por uma demanda judicial, proposta por terceiro, questionando o seu direito de propriedade. Sem dúvida, se isso acontecer e você não tiver o seu registro pelo sistema Torrens, prepare-se para muita dor de cabeça, em outras palavras: tempo e dinheiro.
Somente o registro Torrens garante ao proprietário de imóvel rural, de forma absoluta e inquestionável, o seu título de domínio. Após o registro, será emitido um certificado cujo objetivo fundamental é o de conferir um direito incontestável àquele que efetuou o registro. Esse certificado prevalecerá sobre todo e qualquer questionamento, salvo se houve fraude na emissão do certificado ou se a ação proposta por terceiro se fundar em certificado idôneo emitido anteriormente.
Outro bom motivo para que os proprietários de imóveis rurais efetuem o registro Torrens surgiu com a publicação da Lei 10.267/01, regulamentada pelo Decreto 4.449/02. Ocorre que a referida legislação criou o Sistema Público de Registro de Terras (Já comentado nesta coluna em edição anterior). Esse novo sistema tornou obrigatório o recadastramento em todo o País, segundo os prazos fixados de acordo com as características do imóvel.
Assim, todos os titulares de domínio útil, proprietários ou os possuidores a qualquer título estão obrigados a atualizar a declaração de cadastro sempre que houver alteração nos imóveis rurais, em relação à área ou a titularidade. E qual a relação dessa legislação com o registro Torrens? Esclareço: ao requerer o registro Torrens muitas etapas que serão vencidas, servirão tanto para o sistema Torrens, como para o recadastramento. Portanto, o sistema Torrens facilitará em muito o recadastramento obrigatório e ainda vai propiciar um conforto jurídico inigualável para quem for contemplado com o certificado de registro Torrens.
No tocante às operações de compra e venda, certamente o adquirente preferirá um imóvel com certificado de registro Torrens a um imóvel sem esse sistema registral. Despiciendo comentar que esse sistema registral torna-se um ingrediente relevante quando da negociação. Segurança para quem compra e facilidade para quem vende.
Concluímos esse artigo construindo outro provérbio, que ainda não é popular no Brasil: quem não registra o seu imóvel rural pelo sistema Torrens não é dono